Não tenhais medo...


MENSAGENS

MENSAGEM QUARESMAL - BISPO D. MANUEL QUINTAS
 
Arrependei-vos e acreditai no Evangelho (cf Mc 1,15)
1. Dirijo-me a todos vós, caros diocesanos, neste início do tempo da Quaresma, no
qual somos convidados a acolher, mais uma vez, a exortação do rito de imposição das
cinzas – arrependei-vos e acreditai no Evangelho (Mc 1,15) – e vos indicar alguns
elementos inspiradores e motivadores do caminho de conversão que, como Igreja no
Algarve, queremos percorrer, em fidelidade à nossa condição de discípulos de Cristo e à
missão que Ele nos deixou.
Inspiram-nos, igualmente, neste caminho os oportunos apelos do Papa Francisco,
através das suas diversas intervenções, particularmente a Exortação Apostólica O
Evangelho da alegria e a sua Mensagem quaresmal. Textos que, com a Palavra de
Deus, vos convido a assumir como “companheiros de viagem” neste caminho de
conversão quaresmal.
2. No convite à conversão que a liturgia nos dirige, logo no primeiro dia da
Quaresma, o mesmo convite de Jesus no início do seu ministério na Galileia, acolhemos
o apelo ao essencial da nossa condição de discípulos de Cristo: renovar a fé, reavivar a
esperança e reacender a caridade. Cristo ressuscitado é o fundamento da nossa fé, a
fonte da nossa esperança e o modelo do nosso amor fraterno: como eu vos fiz, fazei vós
também (Jo 13,5), lema de vida, objetivo essencial da nossa conversão, fundamento de
todas as opções que possamos assumir como caminho e fruto da nossa conversão
pessoal. Só uma fé viva, uma esperança renovada e um amor “à medida do amor de
Cristo” darão credibilidade à nossa solicitude para com os que vivem na “miséria
material, moral e espiritual”, e maior autenticidade ao testemunho da mensagem
evangélica, presente no anúncio do amor misericordioso do Pai, que a todos quer
abraçar em Cristo.
3. Gostaria que acolhêssemos, com maior intensidade nesta Quaresma, o apelo do
papa Francisco a nos assumirmos como “Igreja em saída”, ou seja uma “Igreja com as
portas abertas”, “mãe de coração aberto”, solícita para com todos os que a procuram ou
que são por ela procurados; uma “Igreja chamada a ser sempre casa aberta do Pai”, que
assume como primeira prioridade pastoral “pôr de parte a ansiedade para olhar nos
olhos e escutar, ou renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do
caminho”.
Um dos sinais desta abertura, refere o Papa Francisco, é ter, por todo o lado,
igrejas com as portas abertas… para que os que procuram encontrar-se com Deus não
esbarrem na frieza duma porta fechada.
Considero oportuno incrementar, nas comunidades paroquiais, grupos de
voluntários, como opção quaresmal de serviço à comunidade, que permita abrir as
igrejas habitualmente fechadas, e aumentar o tempo de abertura das outras.
Portas abertas, ícone duma Igreja que é Mãe solícita e quer acolher todos os seus
filhos, de comunidades que integram e proporcionam a participação em alguma forma
de vida eclesial. “Todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas dos
sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer, sobretudo quando se trata
daquele sacramento que é a «porta»: o Batismo. A Eucaristia, embora constitua a
plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio
generoso e um alimento para os fracos. (…) A Igreja é a casa paterna, onde há lugar
para todos com a sua vida fadigosa” (cf Evangelho da alegria 46.47).
Portas abertas, ícone de corações abertos para todos acolher e a todos anunciar o
Evangelho da alegria e da esperança: “o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o
anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o
nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e que nascemos para a comunhão e a
vida eterna” (Mensagem quaresmal).
4. A conversão ao amor de Deus e dos irmãos só será autêntica se conduzir a um
dinamismo missionário, levando a todos, sem exceção, o amor de Deus manifestado em
Cristo, traduzido em gestos fraternos e solidários. Existe, como sabemos, um vínculo
indissolúvel entre a fé e os pobres. À semelhança dos anos anteriores, o contributo
penitencial desta Quaresma reverterá para o Fundo Diocesano Social. Até agora, graças
à vossa generosidade, foram recolhidos e distribuídos 170.621,25€, quantia que
possibilitou atender alguns (trezentos e três), dos muitos pedidos que nos chegaram e
continuam a chegar e que nos vemos incapacitados de satisfazer. Manifesto o meu
reconhecimento a quantos continuam a servir-se deste canal de partilha fraterna.
Recordo que este contributo pode ser entregue nas próprias Paróquias, indicando esta
finalidade, ou através de depósito bancário (NIB 001800000617213600178).
Se é verdade que começa a surgir algum otimismo nas análises feitas a respeito da
reação da economia à crise que temos vindo a atravessar, é igualmente verdade que os
pedidos, entre nós, não diminuíram. Renovo, por isso, o meu apelo a não esmorecermos
na nossa generosidade.
Meus caros irmãos, possa este tempo de Quaresma, através do caminho da
conversão pessoal, proporcionar-nos um encontro na fé com Cristo ressuscitado. E que
o Espírito Santo, dom pascal de Cristo, fortaleça a nossa solicitude em acolher quantos
procuram encontrar-se com o amor misericordioso do Pai, e nos torne mensageiros
ousados do Evangelho da alegria e da esperança.
+ Manuel Quintas, Bispo do Algarve
 
Quarta-feira de Cinzas, 05.03.2014
 
 
 

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
 PARA A QUARESMA DE 2014

Fez-Se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza
(cf. 2 Cor 8, 9)

 

Queridos irmãos e irmãs!

Por ocasião da Quaresma, ofereço-vos algumas reflexões com a esperança de que possam servir para o caminho pessoal e comunitário de conversão. Como motivo inspirador tomei a seguinte frase de São Paulo: «Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2 Cor 8, 9). O Apóstolo escreve aos cristãos de Corinto encorajando-os a serem generosos na ajuda aos fiéis de Jerusalém que passam necessidade. A nós, cristãos de hoje, que nos dizem estas palavras de São Paulo? Que nos diz, hoje, a nós, o convite à pobreza, a uma vida pobre em sentido evangélico?

A graça de Cristo

Tais palavras dizem-nos, antes de mais nada, qual é o estilo de Deus. Deus não Se revela através dos meios do poder e da riqueza do mundo, mas com os da fragilidade e da pobreza: «sendo rico, Se fez pobre por vós». Cristo, o Filho eterno de Deus, igual ao Pai em poder e glória, fez-Se pobre; desceu ao nosso meio, aproximou-Se de cada um de nós; despojou-Se, «esvaziou-Se», para Se tornar em tudo semelhante a nós (cf. Fil 2, 7; Heb 4, 15). A encarnação de Deus é um grande mistério. Mas, a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça, generosidade, desejo de proximidade, não hesitando em doar-Se e sacrificar-Se pelas suas amadas criaturas. A caridade, o amor é partilhar, em tudo, a sorte do amado. O amor torna semelhante, cria igualdade, abate os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez connosco. Na realidade, Jesus «trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes22).

A finalidade de Jesus Se fazer pobre não foi a pobreza em si mesma, mas – como diz São Paulo – «para vos enriquecer com a sua pobreza»Não se trata dum jogo de palavras, duma frase sensacional. Pelo contrário, é uma síntese da lógica de Deus: a lógica do amor, a lógica da Encarnação e da Cruz. Deus não fez cair do alto a salvação sobre nós, como a esmola de quem dá parte do próprio supérfluo com piedade filantrópica. Não é assim o amor de Cristo! Quando Jesus desce às águas do Jordão e pede a João Baptista para O baptizar, não o faz porque tem necessidade de penitência, de conversão; mas fá-lo para se colocar no meio do povo necessitado de perdão, no meio de nós pecadores, e carregar sobre Si o peso dos nossos pecados. Este foi o caminho que Ele escolheu para nos consolar, salvar, libertar da nossa miséria. Faz impressão ouvir o Apóstolo dizer que fomos libertados, não por meio da riqueza de Cristo, mas por meio da sua pobreza. E todavia São Paulo conhece bem a «insondável riqueza de Cristo» (Ef 3, 8), «herdeiro de todas as coisas» (Heb 1, 2).

Em que consiste então esta pobreza com a qual Jesus nos liberta e torna ricos? É precisamente o seu modo de nos amar, o seu aproximar-Se de nós como fez o Bom Samaritano com o homem abandonado meio morto na berma da estrada (cf. Lc 10, 25-37). Aquilo que nos dá verdadeira liberdade, verdadeira salvação e verdadeira felicidade é o seu amor de compaixão, de ternura e de partilha. A pobreza de Cristo, que nos enriquece, é Ele fazer-Se carne, tomar sobre Si as nossas fraquezas, os nossos pecados, comunicando-nos a misericórdia infinita de Deus. A pobreza de Cristo é a maior riqueza: Jesus é rico de confiança ilimitada em Deus Pai, confiando-Se a Ele em todo o momento, procurando sempre e apenas a sua vontade e a sua glória. É rico como o é uma criança que se sente amada e ama os seus pais, não duvidando um momento sequer do seu amor e da sua ternura. A riqueza de Jesus é Ele ser o Filho: a sua relação única com o Pai é a prerrogativa soberana deste Messias pobre. Quando Jesus nos convida a tomar sobre nós o seu «jugo suave» (cf. Mt 11, 30), convida-nos a enriquecer-nos com esta sua «rica pobreza» e «pobre riqueza», a partilhar com Ele o seu Espírito filial e fraterno, a tornar-nos filhos no Filho, irmãos no Irmão Primogénito (cf.Rm 8, 29).

Foi dito que a única verdadeira tristeza é não ser santos (Léon Bloy); poder-se-ia dizer também que só há uma verdadeira miséria: é não viver como filhos de Deus e irmãos de Cristo.

O nosso testemunho

Poderíamos pensar que este «caminho» da pobreza fora o de Jesus, mas não o nosso: nós, que viemos depois d'Ele, podemos salvar o mundo com meios humanos adequados. Isto não é verdade. Em cada época e lugar, Deus continua a salvar os homens e o mundo por meio da pobreza de Cristo, que Se faz pobre nos Sacramentos, na Palavra e na sua Igreja, que é um povo de pobres. A riqueza de Deus não pode passar através da nossa riqueza, mas sempre e apenas através da nossa pobreza, pessoal e comunitária, animada pelo Espírito de Cristo.

À imitação do nosso Mestre, nós, cristãos, somos chamados a ver as misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas e a trabalhar concretamente para as aliviar. A miséria não coincide com a pobreza; a miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança. Podemos distinguir três tipos de miséria: a miséria material, a miséria moral e a miséria espiritual. A miséria material é a que habitualmente designamos por pobreza e atinge todos aqueles que vivem numa condição indigna da pessoa humana: privados dos direitos fundamentais e dos bens de primeira necessidade como o alimento, a água, as condições higiénicas, o trabalho, a possibilidade de progresso e de crescimento cultural. Perante esta miséria, a Igreja oferece o seu serviço, a sua diakonia, para ir ao encontro das necessidades e curar estas chagas que deturpam o rosto da humanidade. Nos pobres e nos últimos, vemos o rosto de Cristo; amando e ajudando os pobres, amamos e servimos Cristo. O nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem no mundo as violações da dignidade humana, as discriminações e os abusos, que, em muitos casos, estão na origem da miséria. Quando o poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha.

Não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em tornar-se escravo do vício e do pecado. Quantas famílias vivem na angústia, porque algum dos seus membros – frequentemente jovem – se deixou subjugar pelo álcool, pela droga, pelo jogo, pela pornografia! Quantas pessoas perderam o sentido da vida; sem perspectivas de futuro, perderam a esperança! E quantas pessoas se vêem constrangidas a tal miséria por condições sociais injustas, por falta de trabalho que as priva da dignidade de poderem trazer o pão para casa, por falta de igualdade nos direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria moral pode-se justamente chamar um suicídio incipiente. Esta forma de miséria, que é causa também de ruína económica, anda sempre associada com a miséria espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos o seu amor. Se julgamos não ter necessidade de Deus, que em Cristo nos dá a mão, porque nos consideramos auto-suficientes, vamos a caminho da falência. O único que verdadeiramente salva e liberta é Deus.

O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna. O Senhor convida-nos a sermos jubilosos anunciadores desta mensagem de misericórdia e esperança. É bom experimentar a alegria de difundir esta boa nova, partilhar o tesouro que nos foi confiado para consolar os corações dilacerados e dar esperança a tantos irmãos e irmãs imersos na escuridão. Trata-se de seguir e imitar Jesus, que foi ao encontro dos pobres e dos pecadores como o pastor à procura da ovelha perdida, e fê-lo cheio de amor. Unidos a Ele, podemos corajosamente abrir novas vias de evangelização e promoção humana.

Queridos irmãos e irmãs, possa este tempo de Quaresma encontrar a Igreja inteira pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto a abraçar em Cristo toda a pessoa. E poderemos fazê-lo na medida em que estivermos configurados com Cristo, que Se fez pobre e nos enriqueceu com a sua pobreza. A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nos podemos privar a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói.

Pedimos a graça do Espírito Santo que nos permita ser «tidos por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto, tudo possuindo» (2 Cor 6, 10). Que Ele sustente estes nossos propósitos e reforce em nós a atenção e solicitude pela miséria humana, para nos tornarmos misericordiosos e agentes de misericórdia. Com estes votos, asseguro a minha oração para que cada crente e cada comunidade eclesial percorra frutuosamente o itinerário quaresmal, e peço-vos que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!

Vaticano, 26 de Dezembro de 2013

Festa de Santo Estêvão, diácono e protomártir

 

FRANCISCO