MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA A QUARESMA DE 2014
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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA O XXII DIA MUNDIAL DO DOENTE 2014
Fé e caridade: «Também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos» (1 Jo 3, 16)
Amados irmãos e irmãs!
1. Por ocasião do XXII Dia Mundial do Doente, que este ano tem como tema Fé e caridade: também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos» (1 Jo 3, 16), dirijo-me de modo particular às pessoas doentes e a quantos lhes prestam assistência e cura. A Igreja reconhece em vós, queridos doentes, uma presença especial de Cristo sofredor. É assim: ao lado, aliás, dentro do nosso sofrimento está o de Jesus, que carrega connosco o seu peso e revela o seu sentido. Quando o Filho de Deus subiu à cruz destruiu a solidão do sofrimento e iluminou a sua escuridão. Desta forma somos postos diante do mistério do amor de Deus por nós, que nos infunde esperança e coragem: esperança, porque no desígnio de amor de Deus também a noite do sofrimento se abre à luz pascal; e coragem, para enfrentar qualquer adversidade em sua companhia, unidos a Ele.
2. O Filho de Deus feito homem não privou a experiência humana da doença e do sofrimento mas, assumindo-os em si, transformou-os e reduziu-os. Reduzidas porque já não têm a última palavra, que é ao contrário a vida nova em plenitude; transformados, porque em união com Cristo, de negativas podem tornar-se positivas. Jesus é o caminho, e com o seu Espírito podemos segui-lo. Como o Pai doou o Filho por amor, e o Filho se doou a si mesmo pelo mesmo amor, também nós podemos amar os outros como Deus nos amou, dando a vida pelos irmãos. A fé no Deus bom torna-se bondade, a fé em Cristo Crucificado torna-se força para amar até ao fim também os inimigos. A prova da fé autêntica em Cristo é o dom de si, o difundir-se do amor ao próximo, sobretudo por quem não o merece, por quantos sofrem, por quem é marginalizado.
3. Em virtude do Baptismo e da Confirmação somos chamados a conformar-nos com Cristo, Bom Samaritano de todos os sofredores. «Nisto conhecemos o amor: no facto de que Ele deu a sua vida por nós; portanto, também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos» (1 Jo 3, 16). Quando nos aproximamos com ternura daqueles que precisam de cura, levamos a esperança e o sorriso de Deus às contradições do mundo. Quando a dedicação generosa aos demais se torna estilo das nossas acções, damos lugar ao Coração de Cristo e por Ele somos aquecidos, oferecendo assim a nossa contribuição para o advento do Reino de Deus.
4. Para crescer na ternura, na caridade respeitadora e delicada, temos um modelo cristão para o qual dirigir o olhar com segurança. É a Mãe de Jesus e nossa Mãe, atenta à voz de Deus e às necessidades e dificuldades dos seus filhos. Maria, estimulada pela misericórdia divina que nela se faz carne, esquece-se de si mesma e encaminha-se à pressa da Galileia para a Judeia a fim de encontrar e ajudar a sua prima Isabel; intercede junto do seu Filho nas bodas de Caná, quando falta o vinho da festa; leva no seu coração, ao longo da peregrinação da vida, as palavras do velho Simeão que lhe prenunciam uma espada que trespassará a sua alma, e com fortaleza permanece aos pés da Cruz de Jesus. Ela sabe como se percorre este caminho e por isso é a Mãe de todos os doentes e sofredores. A ela podemos recorrer confiantes com devoção filial, certos de que nos assistirá e não nos abandonará. É a Mãe do Crucificado Ressuscitado: permanece ao lado das nossas cruzes e acompanha-nos no caminho rumo à ressurreição e à vida plena.
5. São João, o discípulo que estava com Maria aos pés da Cruz, faz-nos ir às nascentes da fé e da caridade, ao coração de Deus que «é amor» (1 Jo 4, 8.16), e recorda-nos que não podemos amar a Deus se não amarmos os irmãos. Quem está aos pés da Cruz com Maria, aprende a amar como Jesus. A Cruz «é a certeza do amor fiel de Deus por nós. Um amor tão grande que entra no nosso pecado e o perdoa, entra no nosso sofrimento e nos confere a força para o carregar, entra também na morte para a vencer e nos salvar... A Cruz de Cristo convida-nos também a deixar-nos contagiar por este amor, ensina-nos a olhar sempre para o outro com misericórdia e amor, sobretudo para quem sofre, para quem tem necessidade de ajuda» (Via-Sacra com os jovens, Rio de Janeiro, 26 de Julho de 2013).
Confio este XXII Dia Mundial do Doente à intercessão de Maria, para que ajude as pessoas doentes a viver o próprio sofrimento em comunhão com Jesus Cristo, e ampare quantos deles se ocupam. A todos, doentes, agentes no campo da saúde e voluntários, concedo de coração a Bênção Apostólica.
Vaticano, 6 de Dezembro de 2013.
FRANCISCO
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Mães, não solteironas:
pede o papa Francisco
O papa Francisco exortou as 800 Irmãs recebidas hoje em Audiência a viverem o próprio carisma em obediência, pobreza e numa castidade fecunda
"A consagrada é mãe, deve ser mãe e não ‘solteirona’!
Uma frase de primeira página pronunciada hoje, 8 de Maio, pelo Papa Francisco, diante das 800 irmãs de 75 Países e de 1900 ordens religiosas, participantes da Assembleia plenária da União Internacional das Superioras Gerais (UISG) terminada em Roma.
Além da frase 'chamativa’, há muito mais no discurso do Pontífice.
"O que seria da Igreja sem as Irmãs? Faltaria maternidade, afecto, ternura!” disse-lhes o Santo Padre, agradecendo e animando-as “para que a vida consagrada seja sempre uma luz no caminho da Igreja”. Depois falou do serviço, da obediência, da adoração, da pobreza e da castidade como “carisma precioso, que alarga a liberdade do dom a Deus e aos irmãos, com a ternura, a misericórdia, a proximidade de Cristo”.
A castidade pelo Reino dos Céus - disse o Pontífice - mostra como a afectividade tem o seu lugar na liberdade madura e se torna um sinal do mundo futuro, para fazer resplandecer sempre o primado de Deus”. A castidade de que fala o Papa é, porém, uma “castidade fecunda”, que “gera filhos espirituais na Igreja”. Isso explica a frase “a consagrada deve ser mãe e não uma solteirona!”
Depois o Papa Francisco lembrou as palavras de Jesus na Última Ceia, quando disse aos apóstolos: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi a vós” (Jo 15, 16). Palavras - disse ele - "que lembram a todos, não apenas a nós, sacerdotes, que a vocação é sempre uma iniciativa de Deus."
"É Cristo que vos chamou para O seguir na vida consagrada, e isso significa continuamente fazer um "êxodo" de si mesmo para centrar a vossa existência em Cristo e no seu Evangelho, na vontade de Deus, despojando-vos dos vossos projectos" .
Para avançar neste "êxodo" são necessárias duas condições: "Adorar o Senhor e servir os outros"; duas atitudes "que não podem ser separadas, mas que devem sempre andar juntas".
O Santo Padre recordou depois "os três pilares" sobre os quais se fundamenta a existência de quem abraçou a vida consagrada. Em primeiro lugar, a obediência “como escuta da vontade de Deus, na moção interior do Espírito Santo, autenticada pela Igreja”, aceitando que essa “passe também por meio das mediações humanas”. Depois a pobreza, “como superação de todo o egoísmo na lógica do Evangelho, que ensina a confiar na Providência de Deus”, e “como indicações a toda a Igreja de que não somos nós que construímos o Reino de Deus, não são os meios humanos que o fazem crescer, mas é primariamente o poder, a graça do Senhor, que age por meio da nossa fraqueza”.
Esta pobreza, insistiu o Papa Francisco, "ensina a solidariedade, a partilha e a caridade" e "também se expressa numa sobriedade e alegria do essencial, para alertar sobre os ídolos materiais que ofuscam o sentido autêntico da vida”. Não se trata portanto de uma pobreza “teórica” que “não nos serve”, mas de uma pobreza que “se aprende com os humildes, os pobres, os enfermos e todos aqueles que estão nas periferias existenciais da vida”, acrescentou no improviso.
O Papa falou também da castidade: “É importante esta maternidade da vida consagrada, esta fecundidade. Que esta alegria da fecundidade espiritual anime a vossa existência; sejam mães, como figura de Maria Mãe e da Igreja Mãe. Não é possível compreender Maria sem a sua maternidade; não é possível compreender a Igreja sem a sua maternidade. E vós sois o ícone de Maria e da Igreja”.
Reflectindo depois no tema da Assembleia Plenária "O serviço da autoridade segundo o Evangelho", o Papa aprofundou o significado das palavras ‘serviço’ e ‘autoridade’. “Se para o homem, muitas vezes autoridade é sinónimo de posse, de domínio, de sucesso; para Deus autoridade é sempre sinónimo de serviço, de humildade, de amor”.
Caso contrário, o conceito de autoridade está danificado, bem como a essência mesma da Igreja. “Pensemos no dano que causam ao Povo de Deus os homens e as mulheres de Igreja que são carreiristas, alpinistas, que "usam" o povo, a Igreja, os irmãos e as irmãs - aqueles que deveriam servir – como trampolim para os seus próprios interesses e ambições pessoais. Estes fazem um grande dano à Igreja!".
A exortação é, então, para "exercer sempre a autoridade acompanhando, compreendendo, ajudando, amando”; especialmente “as pessoas que se sentem sozinhas, excluídas, áridas, as periferias existenciais do coração humano".
Esta missão realiza-se graças a um outro carisma fundamental: a eclesialidade, um “’sentir’ com a Igreja que encontra uma expressão filial na fidelidade ao Magistério, na comunhão com os Pastores e o Sucessor de Pedro, Bispo de Roma, sinal visível da unidade”. “O anúncio e o testemunho do Evangelho, para todo o cristão, nunca são um acto isolado ou de grupo”. Porque, como afirmava Paulo VI, “é uma dicotomia absurda pensar viver com Jesus sem a Igreja, de seguir Jesus fora da Igreja, de amar a Jesus sem amar a Igreja”.
Enfim, centralidade de Cristo e do seu Evangelho, autoridade como serviço de amor, ‘sentir em e com a Mãe Igreja”. Estas são as três indicações que o Papa Francisco deixou para as religiosas fazerem funcionar a sua obra. Uma obra, disse, “nem sempre fácil”.
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PROMOVER A RENOVAÇÃO
DA PASTORAL DA IGREJA EM PORTUGAL
Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa
Formar comunidades assentes no primado da graça, da contemplação, da comunhão e da oração, sabendo todos bem, pastores e fiéis leigos, que o essencial da vivência cristã e dos frutos pastorais na vida da comunidade não depende tanto do nosso esforço de programação e da multiplicação dos nossos passos e afazeres, mas depende sobretudo da transformação da nossa mente e da conversão do nosso coração operadas pela acção da graça de Jesus Cristo, que disse: «Sem mim, nada podeis fazer» (Jo 15,5). Neste sentido, queremos intensificar a oração pessoal e comunitária, dar a todas as acções litúrgicas a dignidade que lhes é devida, valorizar a celebração dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação, criar grupos de escuta e partilha da Palavra de Deus.
Formar comunidades que sejam autênticas escolas de vivência da fé e da comunhão, gerando entre todos os seus membros laços de fidelidade, de proximidade e de confiança, que se traduzam no serviço humilde da caridade fraterna. É este o caminho para avivar o sentido de pertença à comunidade e para fortalecer os laços da comunhão, que é a primeira forma de missão, de acordo com a Palavra de Jesus, Bom Pastor: «Nisto todos saberão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13,35). De acordo também com a forma de viver das primeiras comunidades cristãs.
Os dois rumos anteriores abrem necessariamente para um terceiro: a missão como empenho da comunidade toda e de todos os seus membros. Torna-se, de facto, necessário que todos os itinerários de catequese e de formação cristã assumam esta perspectiva missionária como elemento central quer a nível de conteúdos quer de método. Isto significa que o chamamento à santidade, ao seguimento de Jesus Cristo, ao serviço na Igreja e à missão são uma única realidade a promover desde a iniciação cristã, continuando com os jovens, e envolvendo as famílias, os adultos, a comunidade inteira.
Este processo de revitalização do tecido pastoral da Igreja em Portugal continua a requerer o envolvimento de todos os bispos, sacerdotes, consagrados e fiéis leigos, rezando e trabalhando lado a lado, para juntos sentirmos a alegria de sermos discípulos de Jesus Cristo, todos enviados e empenhados em fazer novos discípulos através da transmissão da nossa fé pelo testemunho de vida e pela palavra. A palavra que dizemos tem de ser viva, saboreada e saborosa (Cl 4,6), cheia de Cristo e de esperança activa. O testemunho que damos tem de ser sem disfarces e sem estratégias, humilde, atento, comovido, próximo e acolhedor, profético e evangelizador, que deixe ver, à imagem de Jesus, Bom Pastor, uma Igreja que não se fecha sobre si, mas que sai de si, para o átrio deste mundo que Deus ama.
É notório que, no mundo em que nos é dado viver, os indicadores que sinalizam os caminhos para a fé se encontram cada vez mais rarefeitos, sendo maiores as dificuldades sentidas no seio da família e das organizações eclesiais para a transmissão da fé às novas gerações. Impõe-se, portanto, uma aposta mais intensa e dinâmica na iniciação cristã das crianças e jovens, bem como no catecumenato de adultos. Prioritária é também a formação da vivência cristã de todos, particularmente dos agentes pastorais e dos líderes cristãos, que os leve a preparar-se, cada vez mais e melhor, para a missão e a nela se empenhar.
Várias dioceses têm em curso a preparação ou realização de um Sínodo diocesano. Múltiplas iniciativas pastorais estão em andamento no âmbito do Ano da Fé, do recente Sínodo dos Bispos sobre a promoção da nova evangelização, das celebrações do 50.º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II e da preparação do centenário das Aparições de Nossa Senhora em Fátima. Os aspetos acima postos em realce não vêm anular os projetos já em andamento; antes, podem valorizá-los e potenciá-los, e, porventura, provocar uma partilha fraterna mais intensa de todas as coisas boas que já se estão a fazer.
Escuta bem, com toda a atenção, Igreja em Portugal:
Maria, Mãe da Igreja e nossa Mãe, Senhora de Fátima, ícone do primado da graça e da oração, do serviço humilde que gera laços de comunhão e de missão, sê nossa companheira nos caminhos que agora nos propomos percorrer para sabermos melhor levar Cristo aos nossos irmãos e os nossos irmãos a Cristo.
Fátima, 11 de abril de 2013
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A FORÇA DA FAMÍLIA EM TEMPOS DE CRISE
Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa
A família, um bem social
1. Consideramos da maior oportunidade, no atual contexto da sociedade portuguesa, atravessada por uma crise social e económica de particular gravidade, que se traduz para muitos em desalento e falta de perspetivas de futuro, colocar em relevo o bem insubstituível que representa a instituição familiar, «origem e património da humanidade» (Bento XVI).
A família representa um bem público, um bem social. Podemos encará-la na perspetiva do seu relevo privado, como um bem para a realização pessoal, no plano afetivo, espiritual ou outros, de cada um dos seus membros. Mas devemos também encará-la na perspetiva do seu relevo social, do bem que representa para a sociedade no seu todo. Podemos caracterizá-la como a fonte básica do capital humano, social e espiritual de uma sociedade, a que assegura o seu futuro e o seu crescimento harmonioso. A saúde e coesão de uma sociedade dependem, por isso, da saúde e coesão da família.
Só a família concebida a partir do compromisso definitivo entre um homem e uma mulher pode desempenhar esta função social. As alterações legislativas que, entre nós como noutros países, vêm redefinindo o casamento de forma a nele incluir uniões de pessoas do mesmo sexo, esquecem esta verdade fundamental.
A família é a primeira e mais básica das instituições sociais, antes de mais porque assegura a renovação das gerações, sendo a primeira função de qualquer comunidade a de assegurar a sua própria sobrevivência e renovação. E cumpre essa função porque representa o contexto mais adequado e harmonioso para a educação das novas gerações.
A família é o santuário da vida e do amor, lugar da manifestação de «uma grande ternura, que não é a virtude dos fracos, antes pelo contrário denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura» (Papa Francisco).
Razões da insubstituível importância da família
2. Na família respeita-se a dignidade da pessoa humana, esta é encarada como ser único e irrepetível. Nela não há lugar para o anonimato. Nela a pessoa é acolhida e amada pelo que é, não pelo que faz ou pelo que produz. Por isso, o contexto familiar é aquele em que os mais vulneráveis, incluindo os doentes e portadores de deficiência, não deixam de ser valorizados.
A família é a primeira e mais básica escola de sociabilidade. Nela se aprende a convivência com o outro e o diferente; o homem é diferente da mulher, os irmãos nunca são iguais, e os filhos nunca são o reflexo da imagem dos pais.
Na família a solidariedade não é imposta, é espontânea e calorosa. Ela é o campo privilegiado da gratuidade, do dom desinteressado, onde espontaneamente se dá sem esperar nada em troca e com a maior das alegrias.
Na família a autoridade é exercida como serviço e por amor.
A renovação das gerações no seio da família também permite a mais harmoniosa aliança entre a tradição e a novidade. As gerações mais velhas transmitem às gerações mais novas, como a sua mais preciosa herança, aqueles valores perenes que não estão sujeitos à usura do tempo e não passam com as modas. As gerações mais novas representam a abertura ao novo, ao dinamismo e à criatividade, que tornam vivos esses valores perenes.
Num outro aspeto a família representa o contexto mais adequado e harmonioso para o crescimento e educação das novas gerações. A família nasce da unidade e complementaridade das dimensões masculina e feminina, que cooperam, nessa unidade e complementaridade, para a integridade da educação humana.
O casamento, como união entre um homem e uma mulher, tem representado nas sociedades e culturas mais diversificadas um símbolo dessa riqueza que representa a dualidade sexual, da unidade dessa diversidade. A mensagem bíblica exprime-o com as palavras do Génesis: «Deus os criou homem e mulher … e viu que a sua obra era muita boa…». Esta riqueza da dualidade sexual, da unidade e complementaridade dos dois sexos, está presente na família e, por seu intermédio, deve penetrar em toda a sociedade. Todos os âmbitos da vida social ganham com o contributo simultâneo, diversificado e harmónico das especificidades masculina e feminina, que são complexas, não são rígidas e uniformes, mas são uma insubstituível riqueza.
A família e a crise económica e social
3. A crise económica e social que o nosso país atravessa vem evidenciando, precisamente, a riqueza que representa a família. Tem sido a solidariedade familiar, que se traduz em solidariedade entre gerações, em muitos casos, o primeiro e mais seguro apoio de quem se vê a braços com o desemprego, ou a queda abrupta de rendimentos, com a consequente incapacidade de fazer face a compromissos assumidos que se destinam à satisfação de necessidades familiares essenciais, como a da habitação.
Mas esse apoio não é suficiente. A crise também evidencia que a comunhão e solidariedade que se vivem no seio da família não pode limitar-se ao seu âmbito interno. A família não pode fechar-se sobre si. Esse espírito de comunhão e solidariedade deve partir da família e alargar-se à sociedade inteira. Deve traduzir-se na entreajuda entre várias famílias. As experiências de muitas comunidades cristãs são já disso testemunho, mas não é demais salientar a necessidade de se multiplicarem essas experiências de partilha entre famílias.
Na raiz da crise que atravessamos estão fracassos de um modelo económico assente na maximização do lucro e do consumo. Afirma Bento XVI na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano (n. 5): «O modelo que prevaleceu nas últimas décadas apostava na busca da maximização do lucro e do consumo, numa ótica individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da competitividade. Olhando de outra perspetiva, porém, o sucesso verdadeiro e duradouro pode ser obtido com a dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais, da própria capacidade de iniciativa, já que o desenvolvimento económico suportável, isto é, autenticamente humano tem necessidade do princípio da gratuidade como expressão de fraternidade e da lógica do dom».
A gratuidade típica das relações familiares deve servir de modelo para este novo paradigma de desenvolvimento económico.
A família e a abertura à vida
4. Talvez o mais eloquente sinal de que a crise da instituição familiar se traduz em malefícios sociais seja o da crise demográfica, que muitos consideram o mais grave dos problemas sociais das sociedades europeias, numa perspetiva do seu futuro mais ou menos próximo. As últimas estatísticas apontam Portugal como um dos países com mais baixa taxa de natalidade em todo o mundo.
A família abre-se, por desígnio natural, à vida.
Poderá parecer irrealista salientar a importância desta abertura à vida no atual contexto social, em que o desemprego e a precariedade laboral atingem de modo particular os jovens. Este facto deve levar-nos a não nos resignarmos com esta situação, como se ela fosse inevitável, como se a economia não devesse estar ao serviço da pessoa humana, e fosse a pessoa humana a dever sujeitar-se às exigências da economia. Salienta Bento XVI na encíclica Caritas in veritate (n. 25), a propósito da instabilidade laboral, que quando «se torna endémica a incerteza sobre as condições de trabalho, resultante dos processos de mobilidade e desregulamentação, geram-se formas de instabilidade psicológica, com dificuldade a construir percursos coerentes na própria vida, incluindo o percurso rumo ao matrimónio».
Mas, por outro lado, a crise que atravessamos também é reflexo da crise demográfica. Numa sociedade em envelhecimento, as despesas públicas serão cada vez maiores em pensões, saúde, etc., e as receitas cada vez menores. Assim, o financiamento do Estado há de ser cada vez mais problemático.
É claro o bem que representa hoje a maior longevidade, o facto de os idosos viverem mais tempo do que noutras épocas. O que é problemático não é isso; não há idosos “a mais”, porque estes são sempre uma riqueza, e nunca um peso. O que é problemático e causa desequilíbrios é que não nasçam crianças.
Afirma ainda Bento XVI na encíclica Caritas in veritate (n. 44): «A abertura moralmente responsável à vida é uma riqueza social e económica. (…) A diminuição dos nascimentos, situando-se por vezes abaixo do chamado “índice de substituição”, põe em crise também os sistemas de assistência social, aumenta os seus custos, contrai a acumulação de poupanças e, consequentemente, os recursos financeiros necessários para os investimentos, reduz a disponibilização de trabalhadores qualificados, restringe a reserva aonde ir buscar os “cérebros” para as necessidades da nação. Além disso, as famílias de pequena e, às vezes, pequeníssima dimensão correm o risco de empobrecer as relações sociais e de não garantir formas eficazes de solidariedade. São situações que apresentam sintomas de escassa confiança no futuro e de cansaço moral. Deste modo, torna-se uma necessidade social, e mesmo económica, continuar a propor às novas gerações a beleza da família e do matrimónio, a correspondência de tais instituições às exigências mais profundas do coração e da dignidade da pessoa. Nesta perspetiva, os Estados são chamados a instaurar políticas que promovam a centralidade e a integridade da família, fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher, célula primeira e vital da sociedade, preocupando-se também com os seus problemas económicos e fiscais, no respeito da sua natureza relacional».
Ajudam a combater a crise da natalidade medidas fiscais, que promovam o emprego juvenil, ou que facilitem a conciliação entre o trabalho e a vida familiar. Mas o contributo decisivo para vencer a crise demográfica situa-se no plano da cultura e da mentalidade. Há que superar o “cansaço moral” e a “falta de confiança no futuro” a que alude a encíclica Caritas in veritate. Saber que a vida é sempre um dom que compensa todos os sacrifícios – só com esta consciência pode ser vencida a crise da natalidade.
Qualquer mensagem de desvalorização da vida humana acarreta consequências negativas a este respeito. Uma delas – sem dúvida a mais grave – é o aborto e sua banalização a que vimos assistindo entre nós com a cobertura da lei vigente. Afirma, ainda, sobre esta questão, a Caritas in veritate (n. 28): «Quando uma sociedade começa a negar e a suprimir a vida, acaba por deixar de encontrar as motivações e energias necessárias para trabalhar ao serviço do verdadeiro bem do homem. Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao acolhimento duma nova vida, definham também outras formas de acolhimento úteis à vida social. O acolhimento da vida revigora as energias morais e torna-nos capazes de ajuda recíproca».
A família, um projeto duradouro
5. Para vencer a crise demográfica, como em relação a muitos outros aspetos relativos à sua função social, há que acreditar na família como um projeto duradouro, assente num compromisso de doação total e não na volatilidade dos sentimentos. Só nesse contexto é razoável a decisão de ter filhos. Se a saúde e coesão da sociedade dependem da saúde e coesão da família, esta está estritamente ligada à sua estabilidade.
Vai-se generalizando, porém, a opção por formas de convivência marital precária, que recusam esse compromisso; tal como é cada vez mais frequente o recurso ao divórcio, o que a legislação vigente também não deixa de facilitar em extremo.
Salienta, a este respeito, a exortação apostólica Familiaris consortio (n. 11), de João Paulo II, que «a sexualidade diz respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana» e se realiza «de maneira verdadeiramente humana, somente se é parte integral do amor com o qual homem e mulher se empenham totalmente um para com o outro até à morte». A doação física total é verdadeira só na medida em que envolve toda a pessoa, também na sua dimensão temporal, com a comunhão de projetos para o futuro: «se a pessoa se reservasse alguma coisa ou a possibilidade de decidir de modo diferente para o futuro, só por isto já não se doaria totalmente». Esta totalidade corresponde também às exigências de uma fecundidade responsável, a qual supõe o contributo contínuo do pai e da mãe para o crescimento harmonioso dos filhos.
Por isso, ainda segundo essa exortação apostólica (n. 11), «o “lugar” único, que torna possível esta doação segundo a sua verdade total, é o matrimónio». Este «não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente se afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador». Esta fidelidade não mortifica a liberdade da pessoa, «põe-na em segurança em relação ao subjetivismo e relativismo, fá-la participante da Sabedoria Criadora».
A esta luz, não é demais lembrar a responsabilidade que representa a preparação, mais remota e mais próxima, para o casamento. Uma preparação que envolve as famílias, as instâncias educativas e a Igreja.
Importa, ainda, salientar como, também neste aspeto, deve evitar-se que cada família se veja sozinha a enfrentar dificuldades que possam conduzir à rutura. A experiência de um casal que soube superar as suas dificuldades de relacionamento pode servir de ajuda para outros que se confrontam com essas dificuldades. Experiências de entreajuda entre famílias neste campo também devem multiplicar-se no âmbito das comunidades cristãs.
E se é verdade que a Igreja nunca deixará de proclamar a indissolubilidade do casamento, antes de mais perante quem se prepara para o contrair, tal não pode significar insensibilidade ou indiferença perante o sofrimento de quem experimentou um fracasso matrimonial, independente de qualquer juízo de culpa, que até pode nem existir. A Igreja acolhe e acompanha com solicitude essas pessoas.
Olhamos com simpatia e apreço os movimentos e instituições que se preocupam e dedicam à família, encarnando o amor de Deus e manifestando-lhe o rosto amável da Igreja.
A sociedade à imagem da família
6. Muitas vezes a família é encarada como um refúgio que protege de um ambiente hostil da sociedade que nos rodeia, um oásis de harmonia no meio do deserto, um espaço de humanização no meio de um mundo desumanizado. E é assim de facto. Mas também podemos encarar a família de outra perspetiva: como a fonte e o fermento de onde parte a renovação da sociedade. É assim através dos filhos, que se devem proteger das más influências da sociedade, mas que também a esta podem dar muito do que recebem na família.
Os valores que se vivem na família – a pessoa amada e acolhida como ser único e irrepetível, o amor gratuito, a solidariedade espontânea, a autoridade como serviço, o valor do doente e do idoso, a aliança da tradição e da inovação, a unidade e complementaridade das dimensões masculina e feminina, a fidelidade e o compromisso – devem estender-se, por seu intermédio, a toda a sociedade: às empresas, aos serviços públicos, às escolas e hospitais, às comunidades eclesiais, às associações. A família é o modelo, o dever ser de qualquer convivência humana.
Num contexto de crise económica e social, que para muitos se traduz em desalento e falta de perspetivas de futuro, é esta a mensagem que queremos transmitir, como antídoto a esse desalento e como ajuda à superação dessa crise: que a família seja reconhecida e apoiada na missão social que só ela pode desempenhar.
Fátima, 11 de abril de 2013
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Mensagem do Santo Padre para o
50º Dia Mundial de Oração pelas Vocações
21 de Abril de 2013 - 4.º Domingo de Páscoa
Tema: As vocações sinal da esperança fundada na fé
Amados irmãos e irmãs!
No quinquagésimo Dia Mundial de Oração pelas Vocações que será celebrado no IV Domingo de Páscoa, 21 de Abril de 2013, desejo convidar-vos a reflectir sobre o tema «As vocações sinal da esperança fundada na fé», que bem se integra no contexto do Ano da Fé e no cinquentenário da abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II. Decorria o período da Assembleia conciliar quando o Servo de Deus Paulo VI instituiu este Dia de unânime invocação a Deus Pai para que continue a enviar operários para a sua Igreja (cf. Mt 9,38). «O problema do número suficiente de sacerdotes – sublinhava então o Sumo Pontífice– interpela todos os fiéis, não só porque disso depende o futuro da sociedade cristã, mas também porque este problema é o indicador concreto e inexorável da vitalidade de fé e amor de cada comunidade paroquial e diocesana, e o testemunho da saúde moral das famílias cristãs. Onde desabrocham numerosas as vocações para o estado eclesiástico e religioso, vive-se generosamente segundo o Evangelho» (Paulo VI, Radiomensagem, 11 de Abril de 1964).
Nestas cinco décadas, as várias comunidades eclesiais dispersas pelo mundo inteiro têm-se espiritualmente unido todos os anos, no IV Domingo de Páscoa, para implorar de Deus o dom de santas vocações e propor de novo à reflexão de todos a urgência da resposta à chamada divina. Na realidade, este significativo encontro anual tem favorecido fortemente o empenho por se consolidar sempre mais, no centro da espiritualidade, da acção pastoral e da oração dos fiéis, a importância das vocações para o sacerdócio e a vida consagrada.
A esperança é expectativa de algo de positivo para o futuro, mas que deve ao mesmo tempo sustentar o nosso presente, marcado frequentemente por dissabores e insucessos. Onde está fundada a nossa esperança? Olhando a história do povo de Israel narrada no Antigo Testamento, vemos aparecer constantemente, mesmo nos momentos de maior dificuldade como o exílio, um elemento que os profetas de modo particular não cessam de recordar: a memória das promessas feitas por Deus aos Patriarcas; memória essa que requer a imitação do comportamento exemplar de Abraão, o qual – como sublinha o Apóstolo Paulo– «foi com uma esperança, para além do que se podia esperar, que ele acreditou e assim se tornou pai de muitos povos, conforme o que tinha sido dito: Assim será a tua descendência» (Rm 4,18). Então, uma verdade consoladora e instrutiva que emerge de toda a história da salvação é a fidelidade de Deus à aliança, com a qual Se comprometeu e que renovou sempre que o homem a rompeu pela infidelidade, pelo pecado, desde o tempo do dilúvio (cf. Gn 8,21-22) até ao êxodo e ao caminho no deserto (cf. Dt 9,7); fidelidade de Deus que foi até ao ponto de selar anova e eterna aliança com o homem por meio do sangue de seu Filho, morto e ressuscitado para a nossa salvação.
Em todos os momentos, sobretudo nos mais difíceis, é sempre a fidelidade do Senhor – verdadeira força motriz da história da salvação–que faz vibrar os corações dos homens e mulheres e os confirma na esperança de chegar um dia à «Terra Prometida». O fundamento seguro de toda a esperança está aqui: Deus nunca nos deixa sozinhos e permanece fiel à palavra dada. Por este motivo, em toda a situação, seja ela feliz ou desfavorável, podemos manter uma esperança firme, rezando como salmista: «Só em Deus descansa a minha alma, d'Ele vem a minha esperança» (Sl62/61,6). Portanto ter esperança equivale a confiar no Deus fiel, que mantém as promessas da aliança. Por isso, a fé e a esperança estão intimamente unidas. A esperança «é, de facto, uma palavra central da fé bíblica, a ponto de, em várias passagens, ser possível intercambiar os termos “fé” e “esperança”. Assim, a Carta aos Hebreus liga estreitamente a “plenitude da fé” (10,22) com a “imutável profissão da esperança” (10,23). De igual modo, quando a Primeira Carta de Pedro exorta os cristãos a estarem sempre prontos a responder a propósito do logos – o sentido e a razão – da sua esperança (3,15), “esperança” equivale a “fé”» (Enc. Spe salvi, 2).
Amados irmãos e irmãs, em que consiste a fidelidade de Deus à qual podemos confiar-nos com firme esperança? Consiste no seu amor. Ele, que é Pai, derrama o seu amor no mais íntimo de nós mesmos, através do Espírito Santo (cf.Rm 5,5).E é precisamente este amor, manifestado plenamente em Jesus Cristo, que interpela a nossa existência, pedindo a cada qual uma resposta a propósito do que quer fazer da sua vida e quanto está disposto a apostar para a realizar plenamente. Por vezes o amor de Deus segue percursos surpreendentes, mas sempre alcança a quantos se deixam encontrar. Assim a esperança nutre-se desta certeza: «Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele» (1 Jo 4,16). E este amor exigente e profundo, que vai além da superficialidade, infunde-nos coragem, dá-nos esperança no caminho da vida e no futuro, faz-nos ter confiança em nós mesmos, na história e nos outros. Apraz-me repetir, de modo particular a vós jovens, estas palavras: «Que seria da vossa vida, sem este amor? Deus cuida do homem desde a criação até ao fim dos tempos, quando completar o seu desígnio de salvação. No Senhor ressuscitado, temos a certeza da nossa esperança» (Discurso aos jovens da diocese de São Marino-Montefeltro, 19 de Junho de 2011).
Também hoje, como aconteceu durante a sua vida terrena, Jesus, o Ressuscitado, passa pelas estradas da nossa vida e vê-nos imersos nas nossas actividades, com os nossos desejos e necessidades. É precisamente no nosso dia-a-dia que Ele continua a dirigir-nos a sua palavra; chama-nos a realizar a nossa vida com Ele, o único capaz de saciar a nossa sede de esperança. Vivente na comunidade de discípulos que é a Igreja, Ele chama também hoje a segui-Lo. E este apelo pode chegar em qualquer momento. Jesus repete também hoje: «Vem e segue-Me!» (Mc10,21). Para acolher este convite, é preciso deixar de escolher por si mesmo o próprio caminho. Segui-Lo significa entranhar a própria vontade na vontade de Jesus, dar-Lhe verdadeiramente a precedência, antepô-Lo a tudo o que faz parte da nossa vida :família, trabalho, interesses pessoais, nós mesmos. Significa entregar-Lhe a própria vida, viver com Ele em profunda intimidade, por Ele entrar em comunhão com o Pai no Espírito Santo e, consequentemente, com os irmãos e irmãs. Esta comunhão de vida com Jesus é o «lugar» privilegiado onde se pode experimentara esperança e onde a vida será livre e plena.
As vocações sacerdotais e religiosas nascem da experiência do encontro pessoal com Cristo, do diálogo sincero e familiar com Ele, para entrar na sua vontade. Por isso, é necessário crescer na experiência de fé, entendida como profunda relação com Jesus, como escuta interior da sua voz que ressoa dentro de nós. Este itinerário, que torna uma pessoa capaz de acolher a chamada de Deus, é possível no âmbito de comunidades cristãs que vivem uma intensa atmosfera de fé, um generoso testemunho de adesão ao Evangelho, uma paixão missionária que induza a pessoa à doação total de si mesma pelo Reino de Deus, alimentada pela recepção dos sacramentos, especialmente a Eucaristia, e por uma fervorosa vida de oração. Esta «deve, por um lado, ser muito pessoal, um confronto do meu eu com Deus, com o Deus vivo; mas, por outro, deve ser incessantemente guiada e iluminada pelas grandes orações da Igreja e dos santos, pela oração litúrgica, na qual o Senhor nos ensina continuamente a rezar de modo justo» (Enc. Spe salvi, 34).
A oração constante e profunda faz crescer a fé da comunidade cristã, na certeza sempre renovada de que Deus nunca abandona o seu povoe que o sustenta suscitando vocações especiais, para o sacerdócio e para a vida consagrada, que sejam sinais de esperança para o mundo. Na realidade, os presbíteros e os religiosos são chamados a entregar-se de forma incondicional ao Povo de Deus, num serviço de amor ao Evangelho e à Igreja, num serviço àquela esperança firme que só a abertura ao horizonte de Deus pode gerar.
Assim eles, com o testemunho da sua fé e com o seu fervor apostólico, podem transmitir, em particular às novas gerações, o ardente desejo de responder generosa e prontamente a Cristo, que chama a segui-Lo mais de perto. Quando um discípulo de Jesus acolhe a chamada divina para se dedicar ao ministério sacerdotal ou à vida consagrada, manifesta-se um dos frutos mais maduros da comunidade cristã, que ajuda a olhar com particular confiança e esperança para o futuro da Igreja e o seu empenho de evangelização. Na verdade, sempre terá necessidade de novos trabalhadores para a pregação do Evangelho, a celebração da Eucaristia, o sacramento da Reconciliação.
Por isso, oxalá não faltem sacerdotes zelosos que saibam estar ao lado dos jovens como «companheiros de viagem», para os ajudarem, no caminho por vezes tortuoso e obscuro da vida, a reconhecer Cristo, Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14,6); para lhes proporem com coragem evangélica a beleza do serviço a Deus, à comunidade cristã, aos irmãos. Não faltem sacerdotes que mostrem a fecundidade de um compromisso entusiasmante, que confere um sentido de plenitude à própria existência, porque fundado sobre a fé n'Aquele que nos amou primeiro (cf. 1 Jo 4,19).
Do mesmo modo, desejo que os jovens, no meio de tantas propostas superficiais e efémeras, saibam cultivar a atracção pelos valores, as metas altas, as opções radicais por um serviço aos outros seguindo os passos de Jesus. Amados jovens, não tenhais medo de O seguir e de percorrer os caminhos exigentes e corajosos da caridade e do compromisso generoso. Sereis felizes por servir, sereis testemunhas daquela alegria que o mundo não pode dar, sereis chamas vivas de um amor infinito e eterno, aprendereis a «dar a razão da vossa esperança» (1 Ped 3,15).
Vaticano, 6 de Outubro 2012.
PAPA BENTO XVI
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Ainda lembrando o inicio do Ano da Fé, heis, neste poema de Julio Dinis, um claro exemplo de fé...fé que não depende das circuntancias da vida...fé que é ela própria alimento da vida....que é paz para o pensamento e paz na hora da morte...
Aquela velha coitada!
Se lhe soubessem a vida,
Não passaria na estrada
Assim desapercebida.
Vive só; mas vive agora,
Que num tempo já volvido,
Houve na casa em que mora
Filhos, netos e marido.
Morreu primeiro o marido
Duma morte desastrosa:
Com o coração partido
Rezou por ele, piedosa.
Morreram-lhe os filhos todos
No tempo da epidemia:
Ela com os mesmos modos
Rezou de noite e de dia.
Ficara só com três netos;
Morreram de tenra idade:
E ela, viúva de afectos,
venceu, rezando, a saudade.
E ainda vive! O que alenta
Aquela alma atribulada?
É a fé, que lhe alimenta
Uma crença inabalada.
Ai, quem me dera esse alento
Nestes combates da sorte!
Que paz para o pensamento!
Que paz na hora da morte!
JÚLIO DINIS
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No inicio do Ano da Fé, este poema de São Joao da Cruz, fala-nos da Fé na Fonte que mana e corre ainda que seja noite. Nada mais actual, já que a crise instalada no mundo em geral e na Europa em particular (para já não falar do nosso país), veio fazer cair a noite sobre tantas certezas e autosuficiências instaladas, nos nossos intimos. Com elas, perdemos muitas vezes a noção da Fonte que tudo rege e alimenta .... Neste ano da Fé nós Cristãos somos chamados a encontrar, ainda que seja noite, e a beber da água desta eterna fonte escondida, no vivo Pão que nos dá vida.
Bem eu sei a fonte que mana e corre,
Embora seja noite.
Aquela eterna fonte não a vê ninguém
E bem sei onde é e donde vem,
Embora seja noite.
Não sei a fonte dela, que não há,
Mas sei que toda a fonte vem de lá,
Embora seja noite.
Não pode haver, eu sei, coisa tão bela
E céus e terra beleza bebem dela,
Embora seja noite.
Porque não pode ali o fundo achar,
eu sei que ninguém a pode atravessar,
Embora seja noite.
A claridade sua não escurece.
E sei que toda a luz dela amanhece,
Embora seja noite.
Tão caudalosas são suas correntes
Que regam céus, infernos e as gentes,
Embora seja noite.
E desta fonte nasce uma corrente
E bem sei eu que é forte e omnipotente,
Embora seja noite.
E das duas a corrente que procede
Sei que nenhuma delas a precede,
Embora seja noite.
E esta eterna fonte está escondida
Em este vivo pão a dar-nos vida,
Embora seja noite.
Aqui está a chamar as criaturas
Quem bebem desta água, e às escuras,
Porque é de noite.
Esta viva fonte que desejo,
Em este pão de vida, aí a vejo,
Embora seja noite
S. João da Cruz
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